Fiat diz que Brasil tem como exportar mais mesmo com dólar baixo

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Cledorvino Belini é o segundo de série com presidentes de montadoras.

Executivo defende união com a Argentina para conquistar novos mercados

Priscila Dal Poggetto Do G1, em São Paulo

A solução do presidente da Fiat do Brasil, Cledorvino Belini, para a forte queda das exportações de veículos observada nos últimos dois anos é uma só: escala de produção. De acordo com o executivo, se o Brasil atingir o nível de produção de 5 milhões de unidades por ano, o Brasil terá condições de exportar mais, mesmo com o real fortalecido.

Cledorvino Belini é o segundo executivo entrevistado de uma série que o G1 fará com presidentes de montadoras no Brasil.

Para chegar ao volume, Belini não descarta a produção da Argentina, ao visualizar o Mercosul como um forte grupo. “Sem dúvida a escala dos dois países ajudaria. Com 500 mil a 600 mil carros produzidos lá e 3 milhões aqui no Brasil já são 3,5 milhões”, disse Belini em entrevista ao G1. Dentro desse raciocínio, o crescimento sustentável das vendas internas dos dois países é fundamental. 

Além das exportações, o presidente da Fiat do Brasil destacou a aposta no segmento de comerciais leves — que inclui picapes e utilitários. Questionado sobre o forte investimento da Volkswagen no desenvolvimento de picapes para “tirar” da Fiat a consecutiva liderança desde 2005, Belini ressaltou que a companhia não fugirá da briga e que já tem novos projetos para o segmento. Segundo ele, os lançamentos da nova Doblò e da Strada Cabine Dupla mostram “a linha filosófica da Fiat” de antecipar desejos e anseios dos consumidores. 
 
Belini fala ainda sobre a prorrogação do desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos, como medida necessária para garantir patamar alto de vendas no início do ano que vem, além de importante do ponto de vista ecológico, por beneficiar a comercialização de veículos flex. Na visão ambiental da indústria, ele também aponta o desenvolvimento dos veículos elétricos.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista 

G1 — A Fiat considera crescimento de 5% para as vendas de carros em 2010, o que é considerado significativo diante do alto patamar deste ano. O que a Fiat prepara para esse mercado de mais de 3 milhões de unidades?

Cledorvino Belini — Entre 2008 e 2010 estamos investindo R$ 5 bilhões no setor de automóveis e sempre lançando novas tecnologias e novos produtos. Já ampliamos a capacidade da fábrica de Betim (para 800 mil unidades), acabamos de lançar o novo Doblò, lançamos recentemente a picape Strada Cabine Dupla e, para o ano que vem, reservamos 20 novas surpresas. Antecipar os desejos e anseios dos consumidores, essa é a linha filosófica da Fiat.  

G1 — Sobre a estratégia da Strada Cabine Dupla, ninguém acreditava que esse segmento daria certo. Mas a Fiat arriscou e já está com vendas significativas. Qual o volume comercializado até agora?

Cledorvino Belini — Iniciamos a produção pensando em um volume que poderia chegar a 1 mil carros por mês e, hoje, se nós tivéssemos 5 mil estariam todos vendidos. A realidade é que está indo muito bem. Ainda faz parte do pico de lançamento, mas acreditamos que vai se estabilizar na ordem de 3 mil carros por mês. 
 
G1 — O senhor acredita que a Volkswagen vai inventar um produto para concorrer no segmento? Não ouviu nenhuma especulação?

Cledorvino Belini — Não tenho ouvido nenhuma especulação a este respeito. 
 
G1 — A Volkswagen disse que boa parte do investimento em produtos vai para o segmento de comerciais leves. Primeiramente, ela investirá em picape média, porque a Fiat não tem produto neste segmento. Como vocês enxergam a concorrência nesse segmento, que é onde a Volks quer passar a Fiat para atingir a liderança?

Cledorvino Belini — É natural que cada companhia procure investir no segmento onde possa ter mais oportunidades e nós acreditamos que o mercado de comerciais leves tende a crescer bastante no Brasil, principalmente o de comerciais pequenos devido justamente ao trânsito nas grandes cidades. Por exemplo, a proibição de caminhões dentro dos centros urbanos vai permitir que os comerciais leves façam esse trabalho. Esse é um ponto que o mercado tende a crescer, mas nós também vamos investir nesse segmento. 
 
G1 — Então reserva surpresas nesse segmento para o ano que vem?

Cledorvino Belini — Não digo para o ano que vem, nós temos projetos de médio e longo prazo. E sempre estamos investindo. Um exemplo foi a picape cabine dupla que lançamos neste ano. 
 
G1 — Os investimentos terminam em 2010. Já tem previsão de novo volume para aplicar no país?

Cledorvino Belini — O ciclo de investimento vai de 2008 a 2010 e agora nós estamos estudando novo ciclo de investimentos para o período de 2011 a 2015. 

G1 — A Fiat trouxe o 500 e entrou em um nicho de mercado que no Brasil ganhou destaque, apesar da faixa de preço. Vocês pretendem trazer outros produtos agora que o câmbio favorece ou até por conta da aliança com a Chrysler?

Cledorvino Belini — Não tem. A Chrysler é independente, ela tem estrutura e rede de distribuição própria e a Fiat só tem 20% de suas ações. A Fiat vai dar suporte à rede Chrysler nos serviços administrativos, na parte de distribuição de peças, agilizar as importações, tudo isso para melhorar os serviços da rede de concessionárias. Em relação à importação de veículos, não temos planos nenhum. É só o 500 que, como você falou, é de um segmento “cult”, de nicho de mercado. Todos os demais veículos nós cobrimos por produtos feitos no Brasil. 
 
G1 — O senhor acredita que o aumento das importações, de uma forma geral, irá prejudicar a indústria?

Cledorvino Belini — O aumento das importações não é o problema, o problema é a diminuição das exportações. Isso mostra que nós estamos perdendo a competitividade dos manufaturados. O Brasil não pode exportar somente montanhas ou bananas, ou seja, commodities. Nós temos que exportar produtos com valor agregado. O Brasil tem que ter competitividade nesses produtos para agregar mão de obra, para desenvolver a ciência, tecnologia, inovação, para assim competir lá fora.

G1 — E competitividade se ganha com escala produtiva. O senhor sempre defendeu que quando o Brasil chegar a uma escala de 5 milhões de unidades de produção de veículos o país terá uma posição competitiva melhor.

Cledorvino Belini — Sem dúvida nenhuma. Eu acredito que o Brasil precisa ter uma escala de produção na ordem de 5 milhões de unidades para ter competitividade, para exportar mesmo com o real fortalecido. É difícil prever quando isso será possível, mas acredito que o país tem chances enormes. O Brasil tem hoje uma estabilidade econômica que nos permite ter um crescimento na ordem de 4% a 5% ao ano e, se isso acontecer, acredito que antes de 2015 teremos chance de atingir essa maturidade industrial. 
 
G1 — Tal escala viria com a ajuda do Mercosul, especificamente das fábricas argentinas?

Cledorvino Belini — Sem dúvida a escala dos dois países ajudaria. Com 500 mil a 600 mil carros produzidos lá e 3 milhões aqui no Brasil já são 3,5 milhões. Para chegar a 5 milhões só falta 1,5 milhão. Teríamos capacidade para concorrer com mercados do hemisfério norte.

G1 — A Fiat é pioneira no desenvolvimento de carros elétricos no país. Como se encaixaria o carro elétrico no país do carro flex?

Cledorvino Belini — A matriz energética para veículos vai ser mista no futuro. Acho que tem o espaço para o carro elétrico, porém ainda tem muito desenvolvimento tecnológico a ser feito. Há 10 anos as baterias pesavam 1.000 kg, hoje elas pesam 164 kg, com a nanotecnologia seguramente as baterias vão pesar muito menos. E a auto
nomia que hoje é de 120 km poderá chegar a 400 km, então aí será o momento de o produto começar a ter seu espaço no mercado. E temos uma matriz energética muito boa, que é o álcool, que tem uma reputação extraordinária no mundo inteiro, porque quando a cana está crescendo, pela fotossíntese absorve gás carbônico. Isso realmente é uma vantagem competitiva do Brasil. Temos que continuar investindo e encontrar outros caminhos, seja para uma nova geração de álcool seja para motores mais eficientes.

G1 — Sobre a prorrogação do IPI até março do ano que vem, o senhor acredita que seja uma medida exagerada, até mesmo “eleitoreira”, ou realmente a indústria ainda precisa deste suporte para manter o nível de crescimento alto?

Cledorvino Belini — Acho uma medida acertada por duas razões. O primeiro trimestre é normalmente menos vigoroso, costuma-se dizer que o Brasil só começa depois do Carnaval. Isso vai permitir com que a indústria já no início de janeiro comece a produzir e vender automóveis. Em segundo lugar, permitindo com que aumente a demanda de veículos flex e isso vai de encontro à tendência “verde” que beneficia o Brasil neste momento. 
 
G1 — Isso não forçará a antecipação das vendas e, assim, gerar quedas nos meses seguintes?

Cledorvino Belini — Não. Acredito que o Brasil no ano que vem tende a crescer 5% (PIB) na média. O país tem mais de US$ 220 bilhões em reservas, tem o índice de confiança do consumidor que aumenta mês a mês, tem juros que estão baixos. Tudo isso vai fazer com que a economia gire bem no próximo ano, consequentemente, a ideia que percebemos é uma média estável, não com altos e baixos como houve este ano, além da antecipação da demanda porque ia acabar o IPI. Temos regras claras, que o desconto vai até março, isso gera estabilidade. Depois, lutamos sempre por menores impostos. Com menores impostos teremos mais demanda e mais empregos, o que significa maior arrecadação para o governo. Os impostos representam 32% do preço total do carro. 

G1 — O assunto mais polêmico do ano para o setor foi o recorde de recalls. O que justificaria isso, um novo patamar de produção?

Cledorvino Belini — Acho que é um avanço que o país está tendo e acho que simplesmente é uma coisa absolutamente normal. Algum acidente de percurso durante um processo produtivo pode gerar realmente um recall. É uma responsabilidade das montadoras, é uma responsabilidade dos consumidores também em fazer o recall de forma a dar segurança ao seu veículo no trânsito, nas condições da cidade ou do ponto de vista ambiental. Então, acho que é absolutamente normal, estamos tratando de uma coisa que no mundo inteiro é absolutamente normal.

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