Acordo com os EUA transformará por completo o comércio exterior do Mercosul, diz analista

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Da Redação (*)

Brasília – A assinatura de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos seria um grande passo para o avanço do comércio exterior brasileiro e de todo o Mercosul. No caso específico do Brasil, além de aumentar significativamente o fluxo do comércio exterior brasileiro, poderia gerar um crescimento de US$ 38 milhões no Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Outro resultado importante desse acordo que certamente será considerado uma das prioridades não só do governo brasileiro mas também dos demais países-membros do Merosul será um aumento apreciável na balança comercial com os americanos, que no caso brasileiro está estagnada há mais de dez anos, em torno de US$ 28 bilhões.

Entre outros pontos positivos, um acordo entre o Mercosul e os EUA vai proporcionar aos cidadãos comuns e empresas acesso mais fácil a produtos de alta tecnologia e mercados como comércio eletrônico, cosméticos e educação a distância teriam avanços significativos. No caso do Brasil, é previsto um aumento das exportações de produtos tipicamente brasileiros. Em resumo: a assinatura desse acordo aumentaria o fluxo de comércio de bens e serviços com os Estados Unidos e permitiria ao Brasil ampliar ainda mais a participação dos produtos industrializados nas exportações para o mercado americano.

Estes são alguns dos principais resultados a serem obtidos pelo Brasil e também pela Argentina, Paraguai e Uruguai, caso o Mercosul consiga assinar um acordo de livre comércio com a maior potênia econômica do planeta. Mais detalhes sobre o assunto podem ser conferidos abaixo na entrevista exclusiva da Analista de Comércio Exterior da Thomson Reuters, Ângela Maria dos Santos, ao Comexdobrasil.com:

1) O acordo Mercosul e EUA é viável?

R: Sem sombra de dúvidas. O Brasil, bem como seus parceiros do Mercosul, está vivendo um momento de transformação, trabalhando em avanços e modernizações significativos para o bloco. Do lado brasileiro, a participação no comércio exterior mundial é pouco expressiva, não chegando a 2% em comparação aos seus vizinhos e países desenvolvidos, resultado de uma economia fechada e protecionista. Porém, o acordo entre Mercosul e União Europeia demonstra um divisor de águas para o comércio exterior mundial e principalmente para o Mercosul, que continuará focado em ressignificar essa condição, prosseguindo com a abertura de mercado com novos parceiros e, assim, aumentar as oportunidades de negócios com economias substanciais. Os EUA são atualmente a maior potência econômica e a relação comercial, em especial com o Brasil, não vem de hoje. O Brasil foi em 2018 o 9º maior mercado de exportação de bens dos EUA e o 17º maior fornecedor de importações de bens dos EUA.

2) O que esse acordo pode implicar para o comércio exterior brasileiro? Como mudaria as relações comerciais do Mercosul e do Brasil, principalmente, com os EUA?

R: Primeiramente, é preciso olhar pelo prisma do forte protecionismo também imposto pelos EUA, principalmente aos produtos brasileiros, por conta de anos de divergências comerciais. Nunca houve um acordo comercial entre as partes, o qual sempre foi impedido pelos anteriores governos principalmente o brasileiro, sob o argumento de que um acordo com os EUA enfraqueceria o bloco do Mercosul.

Com isso, tanto os EUA como o Mercosul começaram a retaliar a comercialização de certos produtos como aço, etanol e produtos agrícolas, por meio de aplicações de altas taxas e de barreiras não-tarifárias. Porém, os atuais governos brasileiro e argentino, com visões diferentes dos anteriores, deixam de lado vieses ideológicos e estão buscando firmar acordos que de fato tragam prosperidade econômica para o Mercosul. Por isso, entendemos que um acordo de livre comércio entre Mercosul e EUA seria um grande passo para o avanço do comércio exterior brasileiro, bem como do Mercosul.

A viabilidade desse acordo impulsionaria um já existente fluxo significativo de comércio, não só de produtos, mas de serviços e investimentos entre as partes. Podemos observar pelos números de 2018, nos quais o comércio de bens e serviços dos EUA com o Brasil totalizou US$ 103,9 bilhões. As exportações foram de US$ 66,4 bilhões e as importações de US$ 37,5 bilhões. O superávit comercial de bens e serviços dos EUA com o Brasil foi de US$ 28,9 bilhões.

O Brasil é atualmente o 13º maior parceiro comercial dos EUA de bens, com US$ 70,7 bilhões no total (importação/exportação) de comércio de bens durante 2018. As exportações totalizaram US$ 39,5 bilhões e as importações US$ 31,2 bilhões. O superávit comercial de bens dos EUA com o Brasil foi de US$ 8,3 bilhões em 2018.

Em relação ao setor de serviços entre as partes, as exportações e importações totalizaram US$ 33,2 bilhões em 2018. As exportações de serviços foram de US$ 26,9 bilhões e as importações de serviços totalizaram US$ 6,3 bilhões. O superávit comercial dos serviços dos EUA com o Brasil foi de US$ 20,6 bilhões em 2018.

Após a posse do atual presidente, foi dado início às conversas com o presidente do EUA sobre um possível acordo, mas na época somente entre os dois países, o que tornaria impossível um acordo. Por conta do Mercosul, o Brasil só poderia avançar as negociações em bloco e, para os outros membros, o momento não era propício. Porém, esse cenário mudou com a aproximação da conclusão do acordo entre Mercosul e UE, quando as conversas seguiram lideradas pelos presidentes do Brasil e da Argentina.

A percepção sobre as implicações e possíveis mudanças, claro que para cada acordo há suas particularidades nas negociações, entretanto os temas seriam parecidos com os que foram discutidos com a UE, como agrícola já que os EUA subsidiam a agricultura local, as altas taxas sobre os produtos industriais, aço e alumínio, bem como questões sobre proteção aos direitos de propriedade intelectual, entre outros. Os EUA utilizam-se de argumentos quanto as barreiras não-tarifárias e altas taxas do lado do Brasil, por exemplo em relação ao carvão e produtos semi-acabados. Considerando esses pontos e as partes conseguindo um alinhamento, seria um acordo com vantagens para ambos. Para se ter uma ideia, dados de 2016, revelaram que o PIB do EUA poderia ter um incremento de US$ 24 bilhões e do Brasil de US$ 38 bilhões.

3) O que se pode esperar de um acordo desta natureza? O que ele pode trazer de novidades? Ele pode colaborar para ampliar a pauta de exportação do Brasil e do Mercosul para os EUA?

R: Podemos esperar, no mínimo, um impulso considerável na economia, ajudando tanto o Brasil quanto os outros membros do Mercosul a combater os altos custos de vida, uma vez que levando em conta a eliminação das barreiras protecionistas, haveria uma facilidade no acesso aos produtos americanos e estimularia as exportações de produtos brasileiros. Como foi com a UE, esse não será um acordo simples. Existe muita pressão contrária e pautas complexas para que sejam reais as vantagens para as partes. Desta forma todos os pontos precisam ser bem ajustados.

Como vimos, a forte relação comercial e de cooperação entre as partes já existe. Em 2017, os EUA alcançaram um PIB com o Brasil de US$ 2,1 trilhões (taxas de câmbio de mercado atuais). O PIB real subiu cerca de 1,0% e a população era de 208 milhões, conforme dados do FMI.

Assim, é possível perceber que existe espaço para que seja mais consistente essa relação com um acordo. Não só pela eliminação das barreiras tarifárias e não-tarifárias, mas pela facilitação no acesso aos mercados envolvidos no que tange às áreas de tecnologia, educação, investimentos e, consequentemente, trazer ganhos no desenvolvimento dos cidadãos. Além disso, entendemos que a principal novidade seria o aumento da balança comercial entre as partes que está estagnada no mínimo há 10 anos, em torno de US$ 28 bilhões, apesar de ter tido um aumento considerável por conta da guerra comercial entre EUA e China, quando o Brasil exportou mais para a China.

A perspectiva é de que haja sim um aumento das exportações do Brasil e do Mercosul para os EUA, principalmente no que diz respeito aos produtos com mais chances competitivas como açúcar, algodão, carne bovina in natura, etanol, alumínio, soja etc.

Como dito, entre as novidades que podem surgir além das já citadas em relação ao comércio de bens, será o aprofundamento dos laços entre pessoas por meio de cooperações nas áreas de intercâmbios em educação, energia, saúde, agricultura, ciência e tecnologia, segurança, serviços e inovação.

Desde a visita do atual presidente do Brasil a Washington, em março de 2019, onde foram assinados acordos de cooperação, e com a conclusão do acordo Mercosul e UE, as conversas, principalmente com o Brasil e Argentina e, claro, sendo estendida aos outros membros do Mercosul, serão aceleradas, e um acordo entre Mercosul e EUA está mais perto do que longe de acontecer.

4) Qual a visão da Thomson Reuters sobre o acordo para o Comércio Exterior brasileiro? Quais são os pontos positivos e negativos?

R: A Thomson Reuters é defensora dos acordos internacionais, ainda mais os que proporcionam o desenvolvimento e crescimento das empresas e, consequentemente, da economia. Os acordos internacionais proporcionam abertura de mercado, visibilidade dos nossos produtos, aumentam a pauta de exportações, desenvolvem os setores industriais, estimulam a modernização das empresas, geram empregos etc.

Nosso parecer é igual ao que concluímos para o acordo da UE, ou seja, temos muito mais a ganhar do que a perder. Um acordo entre Mercosul e EUA vai proporcionar aos cidadãos comuns e empresas terem acesso mais fácil à produtos de alta tecnologia e mercados como comércio eletrônico, cosméticos e educação a distância teriam avanços significativos. No caso do Brasil, é previsto um aumento das exportações de produtos tipicamente brasileiros. Esses dados estão demonstrados no material elaborado pelo MRE (Ministério das Relações Exteriores) – Desafios e Oportunidades à Exportação de Produtos Brasileiros aos Estados Unidos https://bit.ly/2xKTCny.

E como já dito anteriormente, com a eliminação das barreiras tarifárias e não tarifárias, levaria a balança comercial a níveis mais altos, saindo do estancamento que vivemos há mais de uma década.

Do ponto de vista da Thomson Reuters, considerando o fato de o conteúdo do possível acordo entre Mercosul e EUA ainda não ter sido divulgado, podemos dizer, de forma macro, sobre alguns pontos preocupantes e não negativos. Por exemplo, como ficaria a relação comercial entre Brasil e China, que com a efetivação desse acordo, poderia causar um distanciamento entre eles? A China, como os EUA, é um importante parceiro do Brasil, tanto na pauta comercial quanto aos investimentos que aqui mantém e que vem aumentando gradativamente.

As exportações brasileiras para a China foram mais que o dobro em 2018 do que para os EUA, quando exportou-se US$ 64,2 bilhões, alta de 35% em relação a 2017, com superávit US$ 29,4 bilhões na balança comercial.

Contudo, a pauta das vendas do Brasil para os chineses é bem menos diversificada do que com os EUA. Porém, o governo brasileiro e os membros do Mercosul buscarão formas que, ao firmar um acordo com os EUA, não prejudique sua relação com a China, considerando a guerra comercial que ambas mantém e a factível pressão que virá por parte dos EUA. O governo brasileiro entende que a China é um parceiro importante e vai se preparar para futuras conversas com os chineses para um possível acordo bilateral.

Outro ponto que ressaltamos como preocupante é o quanto as empresas estão ou não preparadas para usufruírem desse tipo de acordo. Desta forma, aquelas que estejam situadas no Mercosul, em especial as do Brasil, busquem estar preparadas, para além de atender aos avanços dos sistemas do governo também procurem modernizar-se tecnologicamente, com softwares de integração para auxiliar o uso tanto dos acordos internacionais como de regimes especiais, os quais propiciam ganhos operacionais e financeiros significativos tornando seus produtos mais competitivos. Ou seja, não adianta termos um acordo dessa magnitude e não estarmos preparados para utilizá-lo.

5) O que o acordo pode acrescentar para os países do Mercosul?

R: Estamos vivenciando um momento histórico desde a criação do Mercosul, que por muito tempo presenciamos sérias divergências comerciais dentro do bloco o que desestabilizava e tirava toda a credibilidade aos olhos dos outros mercados, principalmente das grandes potências. Agora, vimos o bloco trabalhando arduamente unidos, com um único objetivo, o avanço de suas economias bem como a valorização do que têm de melhor a oferecer aos seus parceiros que negociam com o Mercosul. Então, quando falamos de modernidade, tecnologia avançada e acesso aos melhores produtos, os EUA são os mais citados. Um acordo com essa potência econômica, desde que minuciosamente alinhados os pontos para não haver prejuízos aos mercados locais, só pode agregar. Principalmente no desenvolvimento das nossas empresas e sistemas públicos, uma vez que para nossos produtos entrarem nesse tipo de mercado tão exigente, devem, no mínimo, estar em níveis competitivos aos deles.

6) Qual é a perspectiva do relacionamento comercial entre os dois blocos após o anúncio do acordo e quando o mesmo for colocado em prática?

R: Como foi com a UE, a conclusão desse acordo será um marco para o Brasil e seus parceiros do Mercosul. Deixando de lado afinidades ou desavenças políticas, o objetivo entre as partes é proporcionar crescimento e desenvolvimento para suas economias. Então, a expectativa é que haja além de aumento das exportações dos principais produtos exportados aos EUA, que também o Brasil, bem como os outros membros do Mercosul, aproveitem essa facilitação no acesso ao mercado americano e assim modernizem suas linhas de produção, façam uso dos acordos internacionais, gerem novos empregos, etc. E, do lado do governo, aproveitem o apoio dos EUA para a conservação da biodiversidade na Amazônia e, também, para o Brasil poder ingressar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A consequência será uma economia muito mais consistente e atrativa, inclusive no dinamismo de novas parcerias com outras economias relevantes.

(*) Com informações da Thomson Reuters

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