São Paulo – O acordo de cooperação e facilitação de investimentos assinado esta semana por Brasil e Moçambique abre caminho para a ampliação da política externa brasileira nesta área ao deixar de fora cláusulas existentes nos tratados tradicionais de proteção e promoção de investimentos. Nesta quarta-feira (01), um documento semelhante poderá ser assinado com o governo de Angola, como parte da agenda dos ministros Armando Monteiro Neto (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), e Mauro Vieira (Relações Exteriores), em visita à África.
“É um novo modelo, que elimina pontos que geraram problemas no passado”, disse à ANBA o embaixador Carlos Marcio Cozendey, diretor do Departamento de Assuntos Financeiros e Serviços do Itamaraty.
O Brasil não assina acordos de investimentos desde a década de 1990. Isso porque os tratados tradicionais do gênero firmados pelo país traziam duas cláusulas que nunca foram aprovadas pelo Congresso Nacional. Uma delas é a quer permitia ao investidor estrangeiro acionar diretamente o estado em tribunais internacionais de arbitragem caso se sentisse prejudicado; e a outra é a que tratava da “expropriação indireta”, ou seja, o investidor tinha direito de pedir indenização em razão de mudanças no país que em tese inviabilizassem seu negócio, mesmo que não tivessem relação direta com ele.
Além disso, o governo defendia e que não era necessário incluir a proteção de investimentos estrangeiros em acordos porque a legislação brasileira garante ao investidor internacional os mesmo direitos do nacional. Neste sentido, o tratado assinado com Moçambique aponta uma mudança na política externa do Brasil.
“É uma mudança de atitude importante do governo”, afirmou o especialista em negociações internacionais e analista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrizio Panzini. O novo modelo foi elaborado pelos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), das Relações Exteriores e da Fazenda, e teve apoio da CNI e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Esta mudança ocorreu em função de uma transformação da realidade econômica e empresarial do País, que de quase exclusivamente receptor de investimentos estrangeiros diretos passou a ser também um importante emissor destes recursos. “O governo percebeu que as empresas brasileiras estavam indo para fora e que era importante dar apoio político e econômico a elas”, acrescentou Panzini.

Pilares
Nesse sentido, o novo modelo de tratado repousa sobre três pilares: mitigação de riscos políticos e previsão de controvérsias, governança institucional, com a criação de mecanismos de diálogo entre os países signatários, e a discussão de uma agenda temática de cooperação e facilitação dos investimentos.
No primeiro caso, o texto garante expressamente aos investimentos estrangeiros o mesmo tratamento dado ao nacional, e que não haverá favorecimento ao investidor de um país em detrimento de outro. Isso inclui a garantia de livre remessa de lucros.
Para não entrar na mesma polêmica dos acordos tradicionais de proteção de investimentos, o modelo prevê o diálogo e a arbitragem entre governos para a resolução de controvérsias – não entre investidor e estado – e garante indenização apenas no caso de expropriação direta. “Houve um esforço grande no tema da prevenção de controvérsias”, declarou Cozendey.
O acordo define também que cada parte vai indicar um “ombudsman”, responsável por ser um facilitador dos negócios bilaterais e espécie de “guichê único” que o investidor poderá procurar quando tiver que lidar com órgãos do governo do país receptor. No caso do Brasil, este “ombudsman” será a Câmara de Comércio Exterior (Camex), agência que reúne representantes de diversos ministérios e que formula políticas de comércio exterior. “Os investidores passam a ter acesso mais direto às autoridades”, disse o embaixador.
Com a assinatura, os países constituem também um comitê conjunto destinado a monitorar a aplicação do tratado, divulgar oportunidades de investimentos, trocar informações sobre questões regulatórias e outras. Nessa seara, está prevista a discussão e de definição de setores mais propícios ou prioritários para os investimentos estrangeiros. “A existência de consultas prévias entre os setores público e privado em certos pontos focais é um facilitador, principalmente de grandes investimentos”, observou o diretor do Departamento de Comércio Exterior e Relações Internacionais da Fiesp, Thomaz Zanotto.
Em sua avaliação, porem, os mecanismos criados deverão também abrir portas para empresas de porte menor, que não têm a mesma estrutura das grandes, principalmente para lidar com a burocracia. “As empresas grandes vão lá [fora] com seu próprio pessoal [têm estrutura], mas as médias ficam perdidas”, comentou Zanotto.
Panzini ressaltou outros aspectos do modelo, como a facilitação de emissão de vistos de trabalho, e Cozendey observou ainda que o texto ultrapassa questões meramente empresariais e contempla, por exemplo, a responsabilidade social das empresas.
Além de Moçambique e Angola, o modelo está em negociação com outros países africanos e despertou o interesse em árabes como Argélia, Marrocos e Tunísia, além de nações latino-americanas. É um tipo de acordo que, de modo geral, tende a atrair mais o interesse de nações em desenvolvimento. “Mas serve para qualquer interesse”, declarou Cozendey.
Fonte: ANBA