Da Redação
Brasília – Especialistas em comércio exterior consideram bastante reduzida –para não dizer inexistente- a possibilidade de o Brasil vir a negociar, no curto e médio prazos, um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. A intenção foi mencionada pelo presidente Jair Bolsonaro na carta que enviou ao presidente Joe Biden, no dia 20 de janeiro, cumprimentando-o pela posse como mandatário dos Estados Unidos.
No documento, Bolsonaro afirmou que “no campo econômico, o Brasil, assim como os empresários dos dois países, tem interesse em um abrangente acordo de livre comércio que gere mais empregos e investimentos e aumente a competitividade global das nossas empresas”.

Sob a ótica de José Augusto de Castro(foto), presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), é preciso reconhecer que o envio da correspondência no dia da posse de Biden demonstra claramente uma mudança de postura do Brasil. Ele lembra que “depois de demorar 38 dias para reconhecer a eleição do novo presidente americano, o encaminhamento da carta indica uma mudança importante na medida em éxpressa, na visão de Bolsonaro, que os dois países têm condições de atuarem juntos na parte econômica”.
Mas entre a intenção e o fato concreto –o início da negociação de um acordo de livre comércio- existe um vasto e espinhoso caminho a percorrer. Para o presidente da AEB, “seria muito bom se o Brasil pudesse estar mais próximo dos Estados Unidos. Mas não podemos nos esquecer de que temos uma produtividade muito menor que os EUA, temos um Custo Brasil absurdo e que faz com que se tivermos um acordo com os Estados Unidos teremos o que comprar mas não teremos o que vender. Antes de pensarmos em um acordo dessa natureza temos que reduzir o Custo Brasil para termos maior competitividade. Mas a carta enviada ao presidente Biden já é um bom princípio e esperamos que esse princípio avence e que o Brasil possa, num futuro próximo, ter um acordo comercial com os Estados Unidos”.
Para a Gerente de Relações Institucionais a BMJ Consultores Associados, Verônica Prates(foto), ao invés de se falar de um hipotético acordo de livre comércio com os americanos, a expectativa deve se concentrar na entrada em vigor dos três acordos assinados pelos dois países no ano passado, nas áreas de facilitação de comércio, boas práticas regulatórias e medidas anti-corrupção. Ela considera igualmente relevante dar continuidade às negociações do acordo em comércio eletrônico.

Quanto ao hipotético acordo de livre comércio, Verônica Prates afirma que “acho bem pouco provável e realista pensar que esse acordo venha a avançar no cutro prazo, por uma série de fatores”.
Em primeiro lugar, ela se reporta a uma das cláusulas do Acordo de Ouro Preto, que instituiu o Mercosul: “pelas próprias regras do bloco, o Brasil não pode negociar de forma isolada do Mercosul. Sendo assim, em princípio não podemos tr um acordo de livre comércio com os Estados Unidos sem os demais membros do bloco. E não que seja um problema especificamente originado do fato de que os outros paíse que integram o Mercosul não teriam interesse num acordo, mas sim porque leva mais tempo. Vale dizer que acordos envolvendo tarifas, via de regras, entre economias complexas como as do Brasil e dos Estados Unidos, que têm um mercado diversificado, demoram mais. Temos o exemplo do Acordo Mercosul-União Europeia, cujas negociações se estendem por mais de 20 anos”.
Ao empecilho da impossibilidade de realização de uma negociação exclusivamente bilateral, a especialista acrescenta outra, ainda mais complexa e desafiadora: “temos um fato relevante de os Democratas terem hoje uma postura crítica em relação ao governo de Jair Bolsonaro, sobre o qual já se posicionaram em relação a temas como a pandemia, os direitos humanos e à pauta ambiental. Se avançassem as negociações de um acordo de comércio envolvendo tarifas, o tratado teria que ser aprovado pelo Congresso americano. Num momento em que os Estados Unidos têm não só um governo Democrata, mas também um Congresso com maioria Democrata, a chance de aprovação desse acordo seriam menores. Ou pelo menos teria muita pressão para que o acordo tivesse cláusulas e compromissos ambientais”
Apesar desses elementos que certamente tornariam bastante complexa a negociação, Verônica Prates aponta um terceiro e não menos importante elemento: o posicionamento da indústria.
Segundo ela, “um amplo acordo entre o Brasil e os Estados Unidos figura na agenda da CNI e também da Amcham. Ou seja: está na prioridade do setor privado brasileiro. E foi provavelmente a partir desse interesse que uma menção ao acordo foi incluída na carta do presidente Jair Bolsonaro”.
Ainda assim, sublinha a Gerente da BMJ, o acordo é um projeto de médio a longo prazos e que tem várias etapas para serem cumpridas: “os acordos anunciados no ano passado são algumas dessas etapas. Com elas, você diminui o espaço para os dois países para uma eventual negociação de um acordo mais amplo. Por exemplo, com medidas de facilitação do comércio, boas práticas regulatórias, avanços em termos de bitributação e comércio eletrônico seriam passos nesse sentido. No momento em que de fato as negociações se iniciem, aí é que a indústria e o agronegócio se dividem em setores específicos, com interesses mais ou menos ofensivos”.