Argentina: China avança e supera o Brasil na disputa pelo principal mercado para os produtos manufaturados brasileiros

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Da Redação

Brasília – Em 2021, a China superou o Brasil e passou a ser o principal parceiro comercial da Argentina, quebrando uma hegemonia histórica brasileira. Era algo que poderia acontecer mais cedo ou mais tarde. Só que, na realidade, aconteceu mais cedo do que se imaginava, conforme afirma o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro.

Segundo ele, “a conquista chinesa deveu-se a uma série de fatores, entre eles: a falta de ações e iniciativas brasileiras visando melhorar as exportações para o mercado argentino; e, de outro lado, uma vigorosa jogada chinesa em busca de ocupar cada vez mais espaços nas relações comerciais com a América Latina”.

Para o presidente da AEB, “o Brasil não tem feito absolutamente nada para melhorar as exportações para a Argentina, país que sempre foi o principal destino dos nossos produtos manufaturados. O Brasil sempre disputou o mercado argentino com os Estados Unidos e apesar de ter sido superado pelos americanos, a Argentina continua sendo um dos principais destinos das nossas vendas externas desses produtos”.

A forte contração nas exportações de produtos de maior valor agregado para a Argentina deve-se, na opinião do presidente da AEB, ao fato de que o Brasil não tem oferecido nenhum estimulo a essas exportações, dando muita atenção às exportações de commodities e, segundo ele, “nos esquecendo dos manufaturados, mesmo sabendo que são eles que geram mais empregos qualificados”.

A recuperação de espaços no mercado argentino passa, necessariamente, pela redução do chamado “Custo Brasil” e da burocracia que ainda impera no comercio exterior brasileiro: “se o governo fizer o dever de casa e oferecer recursos para financiar as exportações de manufaturados,  o Brasil poderá recuperar o mercado argentino e voltar a exportar bens industrializados para o país, como no passado”, afirmou.

A queda nas vendas do setor automotivo espelha, como nenhum outro, a forte retração nas exportações para o país vizinho. No passado recente, algumas fábricas de automóveis saíram do Brasil e algumas delas foram para a Argentina e isso fez com que, ao invés de importar veículos brasileiros, a Argentina passasse a exportá-los para o Brasil, mudando completamente o cenário.

Para José Augusto de Castro, a situação apenas pode ser modificada com a adoção efetiva pelo governo de medidas de apoio ao setor. Ele acredita que “se mantivermos, nos próximos anos, a mesma distância de apoio às exportações de manufaturados verificada nos últimos anos, vamos assistir ao crescimento das vendas chinesas para a Argentina”.

Mesmo  em um cenário ainda fortemente impactado pela pandemia de Covid-19, o Brasil deveria ter exportado mais para a Argentina do que a China, conforme raciocina o presidente da AEB: “essa é uma realidade dura para nós, afinal, a Argentina é nossa vizinha. Além do mais, com a crise dos contêineres, a alta dos fretes, a falta de navios e tudo mais, é muito difícil trazer um produto da China para a Argentina e é muito mais fácil trazer esse produto do Brasil, porque ele seguirá pela via rodoviária, sem o impeditivo de utilizar contêineres e algumas coisas mais. Nós tínhamos todas as vantagens comparativas, mas se não as usarmos nada vai acontecer e o Brasil continuará sendo o segundo maior exportador para a Argentina, quando sempre foi o primeiro, e principalmente de produtos manufaturados”.

A forte penetração dos produtos chineses no mercado argentino pode ser explicada por um conjunto de fatores. Segundo José Augusto de Castro, “a Argentina está desesperada atrás de recursos para renegociar a sua dívida externa. A China dispõe desses recursos e os utiliza politicamente. Além disso, a China recebe e receberá cada vez mais pressões dos Estados Unidos e da Europa para comprar mais os seus produtos, enquanto na América Latina não existe nenhum país fazendo campanha contra as importações de produtos chineses. Pelo contrário. Se puderem, vão comprar cada vez mais dos chineses”.

A falta de divisas e a necessidade de aumentar a atração de investimentos levaram a Argentina a formalizar sua adesão ao megabilionário projeto chinês de infraestrutura, o chamado “Cinturão e Rota”, ocorrido na semana passada, por ocasião da visita do presidente Alberto Fernández a Pequim. Com a adesão, a Argentina espera atrair, nos próximos anos, mais de US$ 23 bilhões em capitais chineses, a começar por mais de US$ 8 bilhões destinados à construção de uma central nuclear no país.

Para o presidente da AEB, “essa foi uma oportunidade que a Argentina vislumbrou”. E o raciocínio dos argentinos foi claro, segundo ele, “as relações diplomáticas entre o Brasil e a Argentina, em nível de presidentes da República, praticamente inexistem. Estamos no terceiro ano do mandato do presidente Jair Bolsonaro e os presidentes dos dois países ainda não se encontraram, nem mesmo virtualmente. Nesse contexto, a aproximação com a China foi uma resposta natural da Argentina: se não temos apoio aqui ao lado, vamos buscar apoio de quem nos oferece, no caso, a China. E a China, todos nós sabemos, está sempre disponível para oferecer apoio em troca de vantagens comerciais. É o que a China está fazendo hoje com relação à Argentina”.

Por sua vez, o CEO do Lide China, Jose Ricardo Luz dos Santos Júnior vê na busca pela Argentina de uma maior aproximação com a China uma forma de o país sul-americano tentar resolver o enorme desafio de sua dívida externa.

Segundo ele, “mediante a assinatura da Política do Cinturão e Rota pela Argentina, política de Estado chinesa, o país se aproxima ainda mais do gigante asiático, permitindo a intensificação da cooperação pragmática e o aumento do volume de investimento estrangeiro direto (IED) no país sul-americano. Exemplo disso são as retomadas dos projetos com investimento chinês nas represas de Santa Cruz e as centrais nucleares. A assinatura da Política do Cinturão e Rota permitirá maior intercâmbio e cooperação política, econômica e cultural entre a Argentina e a China”.

O executivo  destaca que Brasil, México e Colômbia, três entre as grandes economias da América Latina, ainda não aderiram a iniciativa chinesa, e lembrou que “na última reunião da  Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), realizada em junho de 2019, em Beijing, o vice-presidente Hamilton Mourão enfatizou se tratar de importante política, “mas que o Brasil ainda precisaria entender os mecanismos do Cinturão e Rota, antes de dar seguimento a uma potencial e concreta cooperação como país signatário”.

Na percepção de Henrique Reis, Gerente de Relações Internacionais do Grupo China Trade Center, “há muito era esperado que a China superasse o Brasil como principal parceiro comercial da Argentina. Nas relações internacionais, é muito importante saber aproveitar as oportunidades. A política isolacionista do ex-presidente Donald Trump, de olhar mais para dentro (dos Estados Unidos), abriu mais espaços para a China na região e como o Mercosul  não evolui, esse é outro fator que também contribuiu para o surgimento de oportunidades para a China. Um exemplo está no fato de que o Uruguai já expressou o interesse em negociar um acordo de livre comércio com a China, à margem do Mercosul,  mas o bloco impede. Com a Argentina não é diferente. Não na questão de querer abrir mão do Mercosul, mas como o bloco não está sendo eficiente, a China acaba ganhando esse espaço”.

Para Renan Diez, Diretor da Intervip Comércio Exterior, “a América Latina sempre sofreu influência dos Estados Unidos em diversos aspectos. No entanto, com o crescimento da economia chinesa, cabe um ponto de reflexão. A China ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, mesmo ano em que houve um aumento significativo do preço de commodities no mundo e também da queda das “torres gêmeas”, em Nova Iorque. Isso alterou a política externa dos Estados Unidos, que passaram a deixar um pouco de lado sua preocupação com a América Latina”.

O executivo sublinha que “a partir dali, a China se aproveitou de uma conjuntura econômica favorável, a fim de criar vínculos políticos e econômicos de médio e longo prazos com a região. Hoje nota-se a presença e a influência econômica da China no continente latino-americano, e  o fato de a China suplantar o Brasil como maior parceiro comercial da Argentina é mais um exemplo disso, o que expõe ainda mais essa disputa entre Estados Unidos e China pela posição de destaque em qualquer mercado global”.

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