Convivendo com o inimigo

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Renan Diez (*)

Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória obtida sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas (Sun Tzu).

Nossos inimigos são outros. Nada parecidos com os caricatos do dia a dia. O inimigo do brasileiro não é a seleção alemã, muito menos a de nossos hermanos. Não é o fast food, o açúcar ou a fritura. Nunca foi Cuba, Coréia do Norte ou Venezuela. Não é o cunhado, a sogra ou o vizinho que pensa diferente. Nosso inimigo também não é um mosquito, mas é tão sorrateiro quanto.

O inimigo do povo brasileiro se alimenta do próprio Brasil. Um Brasil que deveria ser tão grandioso como sua geografia, mas que, contraditoriamente, exalta sua pequenez, por meio da corrupção, da burocracia, da bitributação, do custo Brasil e de uma série de outros vilões.

No IPC (Índice de Percepção de Corrupção), o Brasil anotou em 2019, pela segunda vez consecutiva, seu pior registro na série histórica, ocupando a 106ª posição, dentre 180 países. Empatados com o Brasil estão países como Egito, Costa do Marfim, Macedônia e Mongólia. O IPC pontua e classifica nações, baseado no quão corrupto é o setor público, pela visão de executivos, investidores, acadêmicos e estudiosos da área da transparência. No Brasil, a corrupção se exibe, mesmo que a visão nem sempre se utilize de lentes transparentes.

Um outro vilão conhecido do povo brasileiro é a burocracia. O Banco Mundial coloca o Brasil como país mais burocrático do mundo, no quesito horas gastas com burocracia tributária. A média nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 160,7 horas anuais. No Brasil, empresas gastam quase 2.000 horas. A Bolívia, penúltima colocada no ranking, gasta 1.025 horas. A Argentina, por exemplo, 311,5 horas. A Receita Federal rebate os números e diz que em média, no Brasil, são 600 horas anuais. Ainda nada razoável.

A questão da bitributação também é outro inimigo polêmico que assombra nosso país. A bitributação ocorre quando dois entes tributantes cobram tributos sobre o mesmo fato gerador. Esse tema demanda um esforço colossal dos contribuintes. No Brasil, são 63 tributos, 97 obrigações acessórias e 3.790 normas. Para visualizarmos a dimensão da complexidade, segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), no papel, registramos seis quilômetros de extensão de burocracia.

O custo Brasil é basicamente a soma de todos os nossos vilões. Recentemente, um estudo do Movimento Brasil Competitivo (MBC), em parceria com o Ministério da Economia, calculou 1,5 trilhões de prejuízos causados no Brasil em razão desse, que, possivelmente, seja nosso maior vilão. São 22% do PIB brasileiro.

Atualmente, a Covid-19 é um inimigo mundial. Sem opções, o povo brasileiro terá que conviver com esse vírus. Paralelamente, o comércio exterior, o ambiente de negócios e todo um povo, sofrem, desde muito tempo, com outros inimigos, outros vilões, provavelmente maiores, mais fortes e mais cruéis. Cuidem-se.

(*) Renan Rossi Diez. Diretor na Intervip Comércio Exterior. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas; Pós-Graduado em administração de Empresas e MBA em Gestão de Comércio Exterior e Negócios Internacionais pela IBE-FGV Campinas. Autor do livro Minuto Comex. Contato: renan@portalintervip.com.br

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