Márcio Florêncio Nunes Cambraia (*)
O planejamento da política externa, em uma era de transformação, deve fundamentar-se, de um lado, na análise da capacidade e dos objetivos de uma nação e, de outro, na construção de cenários da evolução da macroestrutura internacional.
O Brasil, com território de proporções continentais, mais de duzentos milhões de habitantes, amplos recursos naturais agrícolas, minerais e energéticos, bem como estrutura industrial consolidada, tem se firmado ainda mais no mercado de “commodities” e avançado como fornecedor de produtos de base e é um dos principais exportadores globais de alimentos.
No entanto, temos fraquezas, que nos tornam mais vulneráveis na quadra internacional instável em que vivemos.
No campo industrial, por exemplo, é evidente a defasagem tecnológica, principalmente nas áreas de ponta como inteligência artificial, sensores, robótica, nanotecnologia e semicondutores. Esse descompasso deve-se ao fato de ser a economia brasileira ainda muito fechada, pouco integrada às cadeias mundiais de produção, e a um ensino deficiente.
Problema grave também são nossas lacunas na infraestrutura com pontos de estrangulamento em transportes, armazenamento e energia. Embora o crescimento exponencial das exportações minerais e agrícolas compense, em parte, o frágil desempenho industrial, deve-se registrar que os preços internacionais de produtos de base são tradicionalmente sujeitos a oscilações. Assim, é imprescindível uma base industrial mais sofisticada e diversificada, que exporte produtos de maior valor agregado, e a preços mais estáveis.
Outros sim, o comércio internacional desenvolve-se em arena extremamente competitiva, com imposição de barreiras tarifárias e não tarifárias, além do protecionismo de países importadores, que utilizam, para barrar produtos brasileiros, argumentos ambientais e sociais, como, por exemplo, a alegação de que o Brasil estaria destruindo o meio ambiente e explorando mão de obra ilegal.
Em plano mais amplo, a pandemia ainda tem causado sequelas na economia mundial, aumentando a inflação, causando perturbações nas cadeias produtivas e dificuldades nos fluxos de comércio e de transportes. Já se coloca em dúvida a continuidade do próprio processo de globalização.
Ademais, o conflito Rússia-Ucrânia, que pode expandir-se, agrava as consequências da pandemia e tem causado interrupção de fornecimento de matérias primas energéticas, minerais e agrícolas para o Brasil. Cresce a volatilidade nos centros financeiros mundiais, e a profunda sensação de insegurança sentida na Europa dissemina-se cada vez mais.
Qualquer que seja o desfecho dessa guerra, seus efeitos, tanto econômicos quanto geopolíticos, deverão perdurar no futuro previsível. Como pano de fundo, o caminho da China para equiparar-se à economia americana traz mais um elemento de incerteza, pois não se pode ainda saber se os Estados Unidos e a China atuarão em cenário de cooperação ou de rivalidade.
Trata-se de panorama multifacetado, que traz novos desafios para a política externa brasileira e para nossa diplomacia, que deve implementá-la. A macroestrutura internacional instável pode, entretanto, apresentar oportunidades como a abertura de novos mercados para produtos agrícolas, energéticos e minerais e para participação em espaços que surgem nas cadeias de produção industrial.
A política externa do Brasil deverá nortear-se pela manutenção de nossa soberania e da busca de desenvolvimento econômico, que contribua para elevar o padrão de vida da população brasileira. Para isso, é essencial contribuir para um clima de paz e estabilidade internacionais, por meio de uma estratégia diplomática que englobe a manutenção da nossa amplitude de contatos com os atores da comunidade internacional, de forma ecumênica.
Ademais, em cenário de crise econômica e política, a política externa brasileira deve primar por uma perspectiva pragmática visando a manutenção e ampliação de mercados, bem como de fontes de matérias primas e suprimentos. Fator importante é também o desenvolvimento de cooperação tecnológica nas áreas de ponta. Por outro lado, a continuidade de negociações, novas ou em curso, de acordos multilaterais de liberdade de comércio impõe-se, nessa abordagem pragmática.
A capilaridade da rede diplomática do Brasil e a manutenção de canais abertos e fluidos com inúmeros países mostrou sua utilidade em algumas situações recentes em que atuaram nossos diplomatas, como a repatriação de brasileiros retidos no exterior durante a pandemia, a obtenção de vacinas, o atendimento e resgate de brasileiros na guerra Rússia-Ucrânia e o fornecimento de fertilizantes na atual situação bélica europeia.
Como linhas de ação prioritárias, a política externa do Brasil deveria dar ênfase ao equilíbrio e ao bom senso, cuidando para não dispersar recursos escassos. Assim, é essencial termos uma diplomacia multidirecional e com atuação firme nas organizações internacionais em defesa da liberdade comercial, embora resguardando nossos interesses estratégicos.
Cumpre registrar, com ênfase, que a projeção internacional do Brasil passa necessariamente pelo reforço e consolidação da nossa posição na América do Sul, o que aumentaram nosso poder de barganha e nossa presença no cenário mundial. É essencial que a America do Sul seja objeto de atenção especial de nossa diplomacia.
(*) Márcio Florêncio Nunes Cambraia, embaixador e especialista da Fundação da Liberdade Econômica