Gisele Prestes Cintra (*)
Após dois anos de pandemia do coronavírus (Covid-19), o mundo se pergunta: até quando iremos enfrentar os impactos desse doença? Na última semana foi anunciada a provável descoberta de mais uma variante, e, diante disso, como podemos esperar que o mundo, e mais especificamente, o comércio mundial se comporte?
Ao longo desses dois anos, vários países optaram por restrições, como quarentenas, isolamento social e até mesmo o fechamento de fronteiras, para evitar a propagação mais rápida do vírus. Como não existe uma diretriz global a qual os países devem seguir, cada país adotou essas e outras medidas de formas diferentes e por tempos distintos. No entanto, algo que não pode ser mensurado é a desigualdade que se escancara ainda mais em tempos de crise.
Mais de 50% da força de trabalho da América Latina é informal. Pessoas que não tem condição de fazer o famoso home office, pois este é um privilégio de poucos. Pessoas que não possuem acesso a um sistema público de qualidade, quando existe um sistema público estruturado. E dessa forma, as consequências de uma mesma pandemia em diferentes lugares são drasticamente diferente, pois podem ser criadas infinitas políticas públicas, mas se existe uma desigualdade a ser enfrentada, ela recai sobre todas elas.
Essa pandemia foi, portanto, também um desafio para os países se reinventarem. Criarem restrições cabíveis dentro da realidade. Flexibilizarem o que era permitido. Focarem em adaptar o caos à sua realidade.
Contudo, todas as ações tomadas pelos governos refletem diretamente na economia e no comércio internacional de produtos, que mudou o cenário internacional: a compra das vacinas somente por quem pode pagar, o nacionalismo e o protecionismo em alta, o enfraquecimento da cooperação internacional e consequente aumento de tensões entre os países, e a mudança na forma de consumir de muitas pessoas, que alterou a demanda de vários setores e obrigou muitos a implementarem uma inovação forçada.
Mas quais foram os impactos diretos da pandemia no comércio exterior?
Uma das principais consequências, sem dúvidas, foi a crise logística. Iniciando com a parada das operações chinesas lá em 2020, houve um acúmulo de carga e consequente falta de conteineres. Alguns conteineres disponíveis e em uso, foram parados por terem funcionários positivados com Covid.
E, diante disto tudo, com a alta demanda e pouca oferta, os preços foram para as alturas. O mesmo aconteceu no modal aéreo. Para quem achou que a solução era trazer via avião tudo o que atrasou, foi surpreendido com um cenário de caos, com pouca disponibilidade de voos devido ao fechamento de fronteiras, preços exorbitantes e um gargalo de envios que ultrapassava semanas.
Um grande impacto também foi percebido na desaceleração do desembaraço aduaneiro de mercadorias nos recintos alfandegados. Com a necessidade de redobrar os protocolos de vigilância sanitária, muitos processos começaram a tomar muito mais tempo do que no período pré-pandemia.
No entanto, não somente de notícias ruins vive o mercado internacional. A necessidade por automação e inovação que a pandemia trouxe abriu caminho para uma integração no comex que levaria ao menos mais alguns muitos anos pela frente para ser implementada. Um grande indicativo disso foi o Portal Único de Comércio Exterior.
Junto com a iniciativa privada, o Governo Federal criou o Portal visando reduzir a burocracia, o tempo e os custos das importações e exportações brasileiras, tornado os processos mais eficientes e harmonizados, além de criar um local único para centralização ds informações de comex.
O novo processo de Importação, NPI, possibilitará a otimização de processos de trabalho do governo, tornando realidade a distribuição mais apropriada das atividades e melhor aproveitamento dos recursos públicos.
Junto do NPI, mudanças como a DUIMP, a automatização da guia do ICMS e a confirmação do recolhimento da mesma, o desbloqueio automático de créditos tributários, a organização da classificação fiscal e maior controle, entre outros, virão com altas expectativas de transformarem o comércio internacional brasileiro. Até o momento, várias etapas do NPI já foram concluídas, com algumas utilizações já disponíveis e estima-se que toda a verificação das novas ferramentas termine até o final deste ano.
Entretanto, dentro de todo o aprendizado nesses dois anos, podemos considerar que já sabemos viver em um cenário de crise sanitária? A China, primeiro epicentro de alastramento da Covid, acaba de anunciar mais um lockdown após identificação de um novo surto da variante Ômicron. Existem estudos de uma nova variante encontrada na Bélgica. Diante de notícias e diversas incertezas, o mais sábio a se fazer é entender que o mundo nunca mais será o mesmo.
Não podemos querer voltar como em 2019 e aplicar as mesmas regras no comércio internacional. Os países precisarão entender a forma de cooperar para o bem global, afinal, podemos não estar todos no mesmo navio, mas estamos no mesmo mar.
(*) Gisele Prestes Cintra – Analista de Comércio Exterior – Planejadora – Compradora – Despachante Aduaneira